O golpe de 404 a.C. contra a democracia ateniense

Continuando a jornada dos Novos Pensadores em busca das raízes da tirania estamos examinando alguns dos golpes contra a democracia desfechados ao longo da história. Na sessão anterior estudamos o texto de Breno Battistin Sebastiani in B. Sebastiani, D. Leão, L. Sano, M. Soares, Ch. Werner (Coords. Eds.). A poiesis da democracia. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018, intitulado Atenas, 411: do golpe oligárquico à poiesis da democracia. Vamos estudar em seguida algumas passagens de I. F. Stone (1988) em O Julgamento de Sócrates e de Chester G. Starr (1990) em O nascimento da democracia ateniense. E, para concluir, passagens de Claude Mossé (1971) em Atenas: a história de uma democracia.

Trechos selecionados de Stone (1988) em O julgamento de Sócrates

A ditadura dos Trinta — termo que designa a oligarquia que substituiu a assembleia em 404 — foi estabelecida em conluio com os espartanos, que haviam derrotado os atenienses na guerra do Peloponeso. Entre os aristocratas descontentes que serviram como instrumento dos espartanos vencedores estavam Crítias e Cármides. Xenofonte não menciona o fato de que ambos eram parentes de Platão, aquele seu primo-irmão, este seu tio. Ambos são retratados de modo altamente favorável nos diálogos platônicos, como amigos de SócratesCármides, no diálogo que recebe seu nome, é apresentado como um jovem de rara beleza, intelectualmente promissor, a quem Sócrates interroga a respeito da virtude. Crítias aparece como participante respeitado em nada menos que quatro dos diálogos, e seu nome e sua família são homenageados no fragmento sobrevivente de outro diálogo, intitulado Crítias. Mas, exceto uma única passagem curta e reprovadora da Sétima Carta (cuja autenticidade é duvidosa), Platão jamais faz referência a esse episódio sangrento e doloroso da história de Atenas, e em nenhum lugar em sua obra — nem mesmo na Sétima Carta — o nome de Crítias é associado aos horrores da época. No entanto, o episódio ainda era uma lembrança recente e amarga quando Sócrates foi a julgamento, quatro anos após a restauração da democracia.

A menção à moderação traz à baila o segundo incidente imaginário que envolve Sócrates. Diz respeito a suas relações com um malogrado líder político ateniense chamado Terâmenes, líder da facção moderada das duas conspirações oligárquicas que derrubaram a democracia, primeiro em 411 e depois em 404 a.C., logo após a derrota ateniense na guerra do Peloponeso, cerca de cinco anos antes do julgamento de Sócrates. Nas duas ocasiões, Terâmenes era líder daqueles que queriam substituir a democracia por uma oligarquia moderada, e em ambas as vezes ele rompeu com os aristocratas quando estes levaram seus aliados da classe média à oposição, ao estabelecer uma oligarquia estreita — a dos Quatrocentos em 411 e a dos Trinta em 404 a.C. Crítias, líder dos Trinta e rival de Terâmenes, ordenou sua execução quando ele ousou opor-se à ditadura.

Mal-comparando, Terâmenes lembra alguns (não todos, nem a maioria) dos líderes tucanos no Brasil atual.

A derrubada da democracia em 411 a.C. foi uma iniciativa de seu favorito [de Sócrates] Alcibíades, e a de 404 a.C. foi liderada por Crítias e Cármides, que aparecem como membros do círculo socrático nos diálogos de Platão, que era primo de Crítias e sobrinho de Cármides. Os seguidores de Crítias e Cármides — seus capangas e tropas de choque — provinham do mesmo meio de jovens aristocratas de simpatias pró-espartanas que, em 414 a.C., em sua comédia Os pássaros, Aristófanes qualificara de “socratizados”.

As datas desses acontecimentos alarmantes são 411, 404 e 401 a.C. Em 411 e em 404, elementos descontentes, em conivência com o inimigo espartano, derrubaram a democracia e estabeleceram ditaduras, instaurando o terror. Em 401 a.C., apenas dois anos antes do julgamento, houve mais uma tentativa de golpe. Em todas as três convulsões cívicas, desempenharam um papel importante jovens ricos como os que se destacavam na entourage de Sócrates.

Este talvez seja o capítulo mais importante do livro de Stone para o aprendizado da democracia. Os golpes contra a democracia foram tramados dentro do regime democrático e apoiados por autocratas espartanos.

Os personagens parodiados nas Nuvens e nos Pássaros, já tão conhecidos, certamente passaram a ser encarados sob um novo ângulo, tornando-se sinistros. O jovem aristocrata perdulário, Feidípides, que vai estudar no “pensatório” socrático em As nuvens, já não parecia mais um janota inofensivo. Agora uma realidade dolorosa transparecia por trás de sua fala exultante, antes da cena em que ele dá uma surra no pai: “Como é bom aprender ideias novas e engenhosas e poder olhar com desdém as leis estabelecidas”. Os jovens “socratizados” dos Pássaros, com seus porretes à espartana, já não pareciam mais tão engraçadinhos. Haviam se transformado nas tropas de choque utilizadas pelos Quatrocentos em 411 e pelos Trinta em 404 para espalhar o terror pela cidade.

Atenção aqui: “com seus porretes à espartana”. Em Esparta só os superiores podiam andar armados. Os discípulos de Sócrates imitaram esse comportamento espartano.

Conhecemos relatos bem vívidos do que aconteceu. Tucídides é a melhor fonte para os eventos de 411, e Xenofonte para os de 404, em suas Helénicas. A primeira ditadura — a dos Quatrocentos — durou apenas quatro meses; a segunda — a dos Trinta — oito meses. Mas em ambos os casos foram muitos os horrores que ocorreram num intervalo de tempo curto e inesquecível. Nem todos esses horrores foram acidentais. Em todo o decorrer da história, quanto menor a base de sustentação de uma ditadura, maiores as atrocidades que ela julga necessárias para se preservar no poder. Tanto em 411 quanto em 404, a democracia foi derrubada não por uma onda de descontentamento popular, mas por um punhado de conspiradores. Eles tiveram de apelar para a violência e a trapaça e colaborar com o inimigo espartano, porque tinham muito pouco apoio em Atenas. É nesse contexto que podemos entender melhor uma curiosa negação feita por Sócrates na Apologia de Platão. Diz ele que durante toda a vida sempre evitou participar de synomosias. O termo é traduzido por plots [“conspirações”] tanto na edição Loeb quanto na versão de Jowett. Mas é necessário explicar melhor o sentido da palavra para entendermos exatamente o que Sócrates está negando. O termo é derivado de um verbo que significa fazer um juramento juntos. Era usado para designar os clubes ou conspirações mais ou menos secretos em que aristocratas juravam ajudar-se mutuamente e atuar contra a democracia. Essas synomosias, explica Burnet em uma nota a essa passagem da Apologia, “visavam originariamente garantir a eleição de membros do partido oligárquico e sua absolvição quando eram julgados, e haviam desempenhado um papel da maior importância nas revoluções do final do século V a.C.” Esses clubes aristocráticos eram tristemente famosos. A mais antiga menção a eles que se conhece está nos Cavaleiros de Aristófanes, no trecho em que o paflagônio diz: “Vou nesse mesmo instante até o Conselho / Denunciar estas vis conspirações [synomosiaí]”. A comédia ganhou o primeiro prêmio em 424 a.C., treze anos antes da primeira derrubada da democracia.

Após a catástrofe de Siracusa, teve início uma conspiração de aristocratas. Segundo Tucídides, um general traidor, Pisandro, começou a alterar a política ateniense nas cidades controladas por Atenas, abolindo as instituições democráticas e substituindo-as por regimes oligárquicos. Essas controladas revoluções nas cidades logo deram origem a um exército de simpatizantes da oligarquia, que derrubaram o regime democrático em Atenas em 411. Afirma Tucídides que, ao chegar em Atenas, os conspiradores descobriram que boa parte de sua tarefa “já fora realizada” pelos clubes secretos de aristocratas. “Alguns dos jovens” desses clubes haviam organizado grupos de assassinos, que mataram os líderes do povo e criaram uma atmosfera de terror. Tais grupos “mataram em segredo um certo Ândrocles”, escreve o historiador, por ser ele “o principal líder do partido popular. Outros que se opunham a seus planos foram eliminados do mesmo modo”. O terror disseminou-se. As pessoas não mais ousavam “falar contra eles, por medo e por constatarem que a conspiração se espalhara; e se alguém assim mesmo se opunha” aos conspiradores, diz Tucídides, “era imediatamente morto de modo conveniente”. Esses grupos de assassinos eram os protótipos dos esquadrões da morte utilizados pelos militares na Argentina, em El Salvador e no Chile, em nosso tempo. Não havia mais segurança no lar. Prossegue o historiador: “Não se tentava encontrar os que cometiam tais feitos e tampouco tomavam-se medidas legais contra suspeitos.” Pelo contrário: “O populacho [dêmos] mantinha-se em silêncio, e era tamanha sua consternação que os que não sofriam nenhuma violência, ainda que não dissessem palavra alguma jamais, julgavam-se afortunados”. O terror tinha um efeito multiplicador. “Imaginando que a conspiração fosse bem maior do que era de fato” , os democratas “intimidavam-se”. “Todos os membros do partido popular”, explica Tucídides, “abordavam-se mutuamente com desconfiança”. Não se tratava de mera paranoia. Ocorriam traições imprevisíveis, e alguns mudavam de lado por covardia ou oportunismo. “Entre eles havia homens que ninguém jamais imaginaria que viessem a mudar de posição e defender uma oligarquia”. Foram esses vira-casacas, afirma o historiador, “que causaram mais desconfiança entre as massas e mais auxiliaram a minoria, no sentido de garantir-lhe a segurança, confirmando a suspeição com que o povo encarava seus próprios defensores”. Tais eventos ainda estavam muito vívidos na memória dos atenienses quando Sócrates foi a julgamento. Outra conspiração semelhante ocorreu depois que Atenas se rendeu no final da guerra do Peloponeso. O general espartano Lisandro “aliou-se ao partido oligárquico”, afirma Aristóteles. Era tal o medo do que os vitoriosos pudessem fazer que a própria assembleia ateniense votou a favor da extinção da democracia. Explica Aristóteles: “O povo, intimidado, foi obrigado a votar a favor da oligarquia”. Assim, em 404 a.C. os Trinta subiram ao poder. Muitos deles eram exilados antidemocráticos. Alguns haviam lutado ao lado dos espartanos. Os vitoriosos precisavam desses homens para manter Atenas sob o jugo espartano. Para a maioria dos atenienses, a legitimidade do regime estava desde o início comprometida por suas relações com a traição e a derrota. A segurança dos Trinta era garantida por uma guarnição espartana. Além disso, eles organizaram um exército particular de jovens simpatizantes para aterrorizar os cidadãos. Aristóteles diz que os Trinta arregimentaram “trezentos seguidores, armados de açoites, e desse modo conservaram em suas mãos o poder sobre o Estado”. Esses jovens truculentos certamente lembravam aos atenienses os jovens “socratizados” e “laconômanos” satirizados por Aristófanes nos Pássaros. Sócrates não podia ser responsabilizado pelo seu comportamento, mas quando foi julgado, pouco depois desses eventos, em 399 a.C., sem dúvida foi feita uma associação entre esse exército particular e os jovens que ele teria inclinado contra a democracia.

A facção liderada por Crítias era constituída de aristocratas que haviam se organizado em conspirações clandestinas e que estavam aguardando uma oportunidade de derrubar a democracia. Havia uma segunda facção, que representava a classe média; e uma terceira, a dos pobres, os quais constituíam a força de trabalho e haviam conquistado a igualdade política graças ao papel que desempenharam como marinheiros e soldados na infantaria leve — o equivalente aos fuzileiros navais de hoje — na marinha ateniense, da qual dependiam o poder imperial e a supremacia comercial da cidade. Tanto em 411 quanto em 404, a democracia foi derrubada por uma coalizão entre a aristocracia e a classe média, unidas contra os pobres, cujos direitos políticos foram extintos. Contudo, nas duas ocasiões a coalizão se desfez quando os aristocratas tentaram desarmar e privar do direito de voto a classe média juntamente com os pobres, e estabelecer uma ditadura em vez de um governo oligárquico ou “republicano” em que o direito de voto fosse limitado aos que possuíam propriedades. Em 411 e em 404, os ditadores aristocratas revelaram-se cruéis, gananciosos e sanguinários. Nunca, em toda a história de Atenas, os direitos básicos dos cidadãos e suas propriedades ficaram em situação tão precária quanto durante os dois períodos de ditadura. Em ambas as ocasiões, a classe média foi levada, por interesse próprio, a se aliar aos pobres e restaurar a democracia.

Trechos selecionados de Starr (1990) em O nascimento da democracia ateniense

A revolução abortada de 411

Decerto os atenienses eram profundamente apegados a seus princípios democráticos e não estavam dispostos a abrir mão deles. Nos sinistros anos finais da Guerra do Peloponeso, porém, foram obrigados a fazê-lo por duas vezes, em 411 e em 404.

Em 411, Atenas estava numa situação desastrosa. No estrangeiro, seus generais tinham de enfrentar uma frota espartana muito ampliada com os fundos persas e ainda tinham de conter os súditos que haviam perdido cidadãos em Siracusa e estavam indignados com a imposição de um imposto de 5% sobre todas as importações e exportações do império; apenas Samos se manteria leal a Atenas até o amargo final da guerra. Em casa, o cansaço em relação à guerra é visível no tom das comédias de Aristófanes e nas tragédias de Eurípides. Todos os elementos sofrem psicológica e economicamente, mas o grupo mais duramente atingido foi o dos proprietários rurais, os hoplitas, que foram excluídos de suas fazendas pela guarnição espartana permanente em Deceléia, no norte da Ática. Se surgisse uma oportunidade, havia conservadores dispostos a tentar assumir o controle e dar fim a guerra.

Quem instigou um complô foi Alcibíades, que gozava dos favores do sátrapa persa Tissafernes, em Sardes. Em 415, Alcibíades fora chamado de volta da expedição à Siracusa para ser julgado por sua suposta participação na profanação dos mistérios de Elêusis; temendo pela vida, fugiu para Esparta, onde deu valiosos conselhos contra os atenienses. Mas infelizmente ele seduziu a esposa de um rei de Esparta e teve de fugir de novo, desta vez para território persa. Em 411, enviou uma mensagem à frota ateniense, ancorada então em Samos, dizendo que podia persuadir os persas a ajudarem Atenas se esta “abolisse a infame democracia que o expulsara” e também a se encarregarem do pagamento dos marinheiros (16 = 1). Os generais e os outros oficiais ficaram convencidos; “a multidão primeiro ficou insatisfeita com o plano, mas a perspectiva de receberem o pagamento do rei lhes era tão agradável que não ofereceram resistência” (17 = 2). Foram enviados mensageiros de Samos a Atenas, comandados por Pisandro, que instou a assembléia a concordar com a vontade dos persas. “Não nos alonguemos quanto a forma da constituição, que depois poderemos modificar à vontade, quando o que está em jogo é a própria existência de Atenas” (18 = 3).

Os cidadãos ficaram confusos o consternados com o assassínio de decididos líderes democráticos realizados pelos grupos oligárquicos, bem como com os rumores que corriam; ninguém sabia quem fazia parte dos complôs. Não é necessário descrever longamente a incerteza que reinava em Atenas e em Samos; o resultado final foi a possibilidade de os verdadeiros líderes oligárquicos de Atenas, Pisandro, Antifonte e outros, moverem-se abertamente. Por conseguinte, eles instaram a assembléia a se reunir, não na Pnyx, mas sim a uma milha além dos muros de Colono; uma vez que havia uma guarnição espartana nas cercanias, em Deceléia, só os hoplitas ousaram comparecer, e votaram devidamente para confiarem o estado a um grupo de cinco homens, que deveríam nomear um conjunto de 400. Estes, por sua vez, deviam estabelecer uma lista de 5 mil eleitores, embora esta etapa nunca tenha sido completada. “Decerto não era fácil, cem anos depois da queda dos tiranos, destruir as liberdades dos atenienses, que não só eram livres, mas durante mais dá metade desse tempo foram um povo imperial” (19 = 4). Temporariamente, porém, o ataque contra a democracia teve um êxito completo. Os Quatrocentos chegaram até a irromper numa reunião do conselho e peremptoriamente o dissolveram, mas pagaram pontualmente os salários dos conselheiros durante o resto do ano. Eles mesmos passaram a ocupar a sala do conselho e a governar Atenas, abrindo negociações com Esparta.

A reconstrução do governo logo começou a fazer-se em pedaços. Em Samos, dois generais, juntamente com o tetrarca Trasíbulo e um marinheiro comum, Trásilo, restauraram a democracia e executaram os principais defensores da oligarquia ali presentes. Os desdobramentos do caso em Atenas e no Pireu foram demorados e complicados; o resultado foi que os conservadores começaram a se desentender a respeito de quem poderia levar a melhor. Os moderados, liderados por Terámenes, tomaram coragem e começaram a realizar assembléias na Pnyx, as quais depuseram os Quatrocentos, “renomearam os supervisores da lei e, por meio de uma série de decretos, estabeleceram uma constituição”. Tucídides prossegue dando o seu parecer: “Este governo, em seus primeiros dias, foi o melhor que Atenas jamais teve, que eu me lembre. A oligarquia e a democracia foram devidamente equilibradas” (20 = 5). Em 410, foi restaurada a democracia plena.

Alcibíades, aliás, conseguiu ser chamado de volta a Atenas e foi até eleito general, mas em 406, quando um de seus subordinados perdeu uma batalha, foi novamente exilado e nunca mais voltou. O retrato que Plutarco dele traçou em sua estada em Esparta é um dos esboços mais notáveis realizados pela pena do biógrafo: ele podia ser um camaleão e se adaptar a todo tipo de ambiente, embora tenha perdido muitas oportunidades em sua carreira (21 = 6).

Alcibíades lembra um populista contemporâneo.

Derrubada da democracia em 404

Os acontecimentos de 404 deram-se de maneira mais violenta. Após a rendição de Atenas, Lisandro, o almirante espartano, compareceu pessoalmente a uma sessão da assembléia e ordenou-lhe que aprovasse uma proposta de que trinta homens fossem indicados para fazer os esboços das “leis ancestrais” e governar o estado (22 = 7). Por volta do fim do século V, houvera um considerável interesse pela “restauração” de uma forma de governo mais conservadora, a pátrios politeía incorporada nas leis de Drácon e de Sólon, movimento este de que Crítias e seus coadjutores se apoderaram com entusiasmo (23 = 8). Os órgãos democráticos foram abolidos, sem exceção dos tribunais de justiça, e as reformas de Efialtes, que haviam diminuído os poderes do conselho do Areópago, foram revogadas. Valendo-se de 300 guardas armados de porretes para aplicar suas diretrizes, os “trinta tiranos”, como logo foram chamados, governaram Atenas despoticamente. Foram banidos 5 mil cidadãos, e 1.500 foram executados – o líder moderado Terámenes foi arrancado de um altar da sala do conselho e arrastado pela Ágora para beber sua fatal taça de cicuta. Para dar apoio a seu controle, os Trinta estabeleceram uma guarnição espartana sobre a Acrópole.

Starr não sublinha que uma das medidas do golpe foi abolir o sorteio. Mas não as eleições…

Estes excessos logo levaram a uma reação democrática. No início de 403, Trasíbulo, o ex-triarca ativo em Samos em 411, e um grupo de setenta seguidores tomaram a fortaleza de fronteira de File; um número suficiente de defensores juntou-se a eles para que pudessem descer à planície e ocupar o Pireu. Crítias comandou as forças conservadoras num ataque que fracassou; o próprio Crítias, o mais vingativo dos Trinta, foi assassinado. Com o enfraquecimento do poder dos oligarcas, eles apelaram a Lisandro, que voltou à Ática e bloqueou o Pireu. No entanto, ocorria uma mudança vital no segundo plano; a influência de Lisandro em Esparta estava declinando, e o rei de Esparta Pausânias o substituiu, revogando a política de sustentação a uma tirania impopular. O resto dos Trinta, com seus seguidores, retirou-se para Elêusis; os democratas reocuparam Atenas, e a guarnição espartana entregou a Acrópole. Durante o ano de 403/2, entrou novamente em vigor a democracia plena; num decreto proposto por Tisámeno, ordenava-se que os atenienses fossem “governados por seus costumes nacionais” (24 = 9). A restauração não foi contestada de novo por quase um século.

Em 401, a ocupação oligárquica de Elêusis terminou e a Ática foi reunida. O juramento de reconciliação então proferido “consistia numa simples afirmação: ‘Não mais nos lembraremos das ofensas passadas’; e até hoje os dois partidos convivem amigavelmente como bons cidadãos, e a democracia é fiel aos seus juramentos” (25 = 10). Como se observou recentemente, este é “um dos mais inspiradores episódios da história ateniense, se não da história humana”, dada a moderação com que os oligarcas foram tratados (26 = 11).

Recentemente, foi aventado um poderoso argumento segundo o qual realmente ocorreu uma mudança fundamental na natureza da democracia e no papel da assembléia, a saber, em vez de uma estrutura de soberania popular, o governo ateniense seria agora fiscalizado pelo poder da lei, tal como codificada nas grandes revisões de 403/2; desde então “nenhum decreto do povo suplantará uma lei” (27 = 12). Embora seja verdade que as leis (nómoi) passaram a ser distinguidas com mais cuidado dos decretos (psephísmata) e a ser redigidas por um conselho especial de nomothétai, sua adoção formal exigia um voto da assembléia, e de um modo geral permanece verdadeira a síntese da Constituição dos atenienses de que “o povo se tornou senhor de todas as coisas e tudo administra por meio de decretos da assembléia e de decisões dos tribunais de justiça, em que detém o poder. Pois até mesmo as funções jurídicas do Conselho passaram para as mãos do povo” (28 = 13).

Notas do trecho de Starr

(16 = 1) Tucídides 8. 47. Ostwald, Sovereignty, pp. 346 ss, discute em minúcia os desenvolvimentos ocorridos cm 411; Wallace, Areopagus Council, pp. 131-44, definiu seu lugar nos debates de 411 e 404 c posteriormente em Isócrates, Areopagítico e obras posteriores, que ultrapassam os limites deste estudo.

(17 = 2) Tucídides 8. 48.

(18 = 3) Tucídides 8. 5*.

(19 = 4) Tucídides 8. 68.

(20 = 5) Tucídides 8. 97.

(21 = 6) Plutarco, Aidbfades 23; cf. o juízo de Tucídides em 6. 15 e a notável análise recente de S. Forde, The Ambition to Rule: Aldbiades and the Politics of Imperialism in Thucydides (Ithaca, 1989).

(22 = 7) Xenofonte, Helênicas 2. 3; P. Krentz, The Thirty at Athens (Ithaca, 1982) é um estudo bem acabado e judidoso.

(23 = 8) A. Fuks, The Ancestral Constitution (Londres, 1953); M. I. Finley, The Ancestral Constitution, sua aula inaugural em Cambridge, em 1971.

(24 = 9) Andócides, Sobre os mistérios 83-84, cita extensamente o decreto.

(25 = 10) Xenofonte, Helênicas 2. 4.43.

(26 = 11) Ostwald, Sovereignty, p. 497.

(27 = 12) Andócides, Sobre os mistérios 87; cf. Demóstenes 23. 87; Ostwald, Sovereignty, passim.

(28 = 13) Constituição das atenienses 41; cf. Aristóteles, Política 4. 4 1292a. Hansen, Assembly, pp. 96-97, julga que o demos é aqui considerado como significando o povo comum; posteriormente Hansen notou diversas limitações no poder da assembléia no século IV.

Trechos selecionados de Claude Mossé (1971) em Atenas: a história de uma democracia

Baixe o livro MOSSÉ Atenas a historia de uma democracia by Claude Mossé

Vamos examinar as páginas 77 a 82. Quando for possível digitalizar em HTML, vamos passar para cá.

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